Vivemos o dia-a-dia, em correria, e sem pensar, na maioria das vezes, no impacto que as nossas ações, gestos têm nos outros. Acordamos, trabalhamos, falamos com estranhos, convivemos com quem nos é próximo, tomamos decisões – pequenas ou grandes – e seguimos em frente. No entanto, cada gesto ou ação, cada palavra dita ou calada, cada escolha feita, pode moldar um pedaço do mundo à nossa volta sem que sequer nos apercebamos disso. Sem o querermos, na verdade.
Muitas vezes, pensamos no conceito de legado como algo grandioso, associado a grandes feitos, descobertas ou transformações que perduram na história. Mas o verdadeiro legado não é apenas o que fica escrito em livros. O verdadeiro legado está nas pequenas marcas que deixamos nos outros, nos reflexos do que somos, nas pessoas que tocamos, do que damos diariamente, mesmo que por breves instantes.
O modo como tratamos alguém num momento de fragilidade, o conselho que damos sem esperar nada em troca, o simples ato de escutar quando mais ninguém o faz – tudo isso é um pedaço do que deixamos no mundo. O sorriso a um desconhecido, na rua, que pode ter sido a única gentileza que recebeu naquele dia, o tempo dedicado de forma gratuita, a explicar, algo com paciência e generosidade, a atenção e carinho que damos se pedirem, a forma como amamos e somos amados – tudo isso se espalha como purpurinas que se vão libertando e caindo suavemente nos outros.
Pensemos nas palavras que alguém nos disse há anos e que ainda recordamos. Talvez tenham sido encorajadoras, talvez tenham sido cruéis. Mas ficaram connosco, moldaram-nos, empurraram-nos numa determinada direção. E, sem que essa pessoa o soubesse, tornou-se parte da nossa história. Da mesma forma, quantas vezes já dissemos algo, em momentos de espontaneidade, que ficou gravado na memória de outra pessoa. Quantas vezes uma simples atitude nossa inspirou alguém a ser melhor, a arriscar mais, a acreditar em si mesmo? O curioso é que quase nunca sabemos quando isso acontece. Nunca saberemos se aquele gesto ou atitude impacta na vida do outro de alguma forma.
O conhecimento que partilhamos, os ensinamentos que passamos, as experiências que dividimos, tudo isso se entrelaça nas histórias de quem cruza o nosso caminho ao longo da nossa vida. Seja ela longa ou curta. O amor que damos – seja a um filho, a um amigo, a um companheiro ou até a um animal – multiplica-se e ecoa, muitas vezes, para além da nossa existência. Podemos partir, mas as nossas atitudes e gestos continuam a viver em quem fica.
Mesmo os gestos mais comuns podem ter um efeito que nunca imaginámos. Um professor que incentiva um aluno a seguir um sonho, um chefe que reconhece o esforço de um colaborador, um amigo que lembra a importância de um abraço nos dias difíceis – todos esses momentos formam um mosaico de pequenas heranças invisíveis. Às vezes, basta alguém acreditar em nós para que sejamos capazes de conquistar o impossível. E se essa crença vier de um gesto nosso? E se tivermos sido o click que fez alguém lutar por algo ou ser melhor?
Por outro lado, há também um peso naquilo que deixamos sem querer. Palavras ditas sem pensar, olhares de desdém, indiferença quando alguém mais precisava de atenção – tudo isso também se espalha, deixando marcas menos bonitas e positivas, às vezes difíceis de apagar da memória do outro. Assim, torna-se ainda mais urgente termos consciência de que, sem querer, estamos sempre a deixar um pedaço de nós no mundo, estejamos atentos a isso ou não.
Talvez nunca saibamos exatamente a dimensão do nosso impacto no outro, na sua vida. Talvez nunca descubramos como uma conversa mudou o rumo da vida de alguém, como um gesto inesperado fez a diferença num dia particularmente difícil. Mas isso não significa que esse impacto não exista. E, se tivermos essa consciência, talvez possamos escolher, todos os dias, deixar um legado de gentileza, de partilha e de amor.
Porque, no fim, o que verdadeiramente fica não são as riquezas que acumulamos ao longo da vida, os títulos que ostentamos ou os sucessos que alcançamos. O que verdadeiramente fica é o que deixamos nos outros – na forma como os fizemos sentir, no que lhes ensinámos, no amor que lhes demos. Esse é o nosso verdadeiro legado.
E ele começa agora, em cada pequena escolha, em cada pequeno gesto!