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Carolina Barata

Jornalista que gosta de abordar temas que surgem na sociedade, e que direta ou indiretamente, têm influência na vida pessoal de cada um. Preocupada com as gerações futuras e com o rumo que estas percorrem.

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Tema: Dia Internacional da Mulher Data de Publicação: 11/03/2025, 11h54
Macramé, autocuidado, cozinhar, recitais enquanto ignoramos “o elefante na sala”
"O elefante na sala" @DR
"O elefante na sala" @DR

O Dia Internacional da Mulher assinalou-se no passado dia 8 de março. Devemos celebrar a nossa liberdade e os direitos que conquistámos até hoje todos os dias, mas o dia 8, não deixa de ser um dia especial, e onde a celebração se intensifica. São várias as iniciativas promovidas por municípios, entidades, instituições, restaurantes, quintas de eventos, entre outros, para assinalar a efeméride.

Todos os anos o dia é celebrado tendo em conta um tema. Para este ano de 2025, o mote escolhido foi “Para todas as mulheres e meninas: direitos, igualdade, empoderamento”. Neste dia, faz todo o sentido defender causas como o direito ao voto, a igualdade salarial, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica ou o acesso à educação, porque na realidade ainda há muito caminho para percorrer, e muita luta para se fazer cumprir.

Este ano estive atenta às várias atividades promovidas em diferentes sítios do país. Pelo que analisei ao longo dos últimos dias, houveram locais que entenderam o mote do Dia Internacional da Mulher, e que por isso, evocaram os valores certos, e defenderam as causas certas, embora não seja assim durante o ano todo. Outros ou não entenderam ainda o que é celebrar este dia, ou então querem mesmo retroceder às épocas em que a Mulher era dona de casa, tomava conta dos filhos, não tinha emprego, e nem podia ter, e por isso, não era independente financeiramente.

A lista das iniciativas que em nada valorizam a Mulher é imensa. Tudo começou quando vi a celebração deste Dia Internacional no Palácio do Gelo, em Viseu. No dia 8 de março neste centro comercial esteve, passo a citar, “montado um espaço dedicado especialmente ao aconselhamento de beleza e imagem com a presença de uma consultora de imagem e maquilhadoras”. Esta consultora de imagem realizou uma “masterclass” onde apresentou “os melhores conselhos relativos a maquilhagem e imagem para o dia-a-dia e para aqueles momentos especiais”.

Não venho desvalorizar o trabalho desta senhora, tudo é válido, mas acho que não temos de ter alguém a dizer-nos como ficar mais bonitas, nem a dar conselhos de imagem para “momentos especiais”. Isto só me faz lembrar aqueles pensamentos retrógrados do género “tu até és bonita, mas se usasses mais vestidos, mais bonita ficavas”, ou então “não utilizas maquilhagem? Como é que é possível”, ou ainda “tu não te arranjas, como é que vais arranjar alguém”. Tudo frases que já devem ter ouvido na vida, e que secalhar, preferiram ignorar. A masterclass do Palácio do Gelo não fica por aqui, ainda acrescenta que “as crianças que acompanhem as senhoras são convidadas a receber pinturas faciais”. Porque é que se parte do pressuposto de que a Mulher tem de ter filhos, e de que as crianças ficam com as mães, não estaremos mais uma vez a retroceder? Acho que não é mesmo isto que queremos evocar neste Dia Internacional.

Como disse a lista de atividades caricatas do dia 8 de março é grande. Prosseguimos para mais um workshop de “autocuidado” no centro comercial “La Vie” na cidade da Guarda, e ainda outros de “cozinhar com robot”, “manicure e estética”, e “arte do macramé” em Viseu. Aprender a cozinhar com um robot, pintar as unhas, arranjar as sobrancelhas, e o macramé, é como quem diz, convém, enquanto mulher, saberes cozer um botão. Mais uma vez me questiono, não estaremos a retroceder?

Em Santa Maria da Feira, o Dia Internacional da Mulher celebrou-se no Cineteatro com um recital de piano com obras de Beethoven, Chopin e Rachmaninov, nomes maiores do Romantismo, “que tão bem se adequam à estética e à emoção feminina", lê-se na descrição do evento. Mais uma vez somos consideradas o sexo fraco, emocionadas, dramáticas, românticas, e ainda por cima, num recital apenas com obras de homens, quando se poderia evocar nomes como Clara Schumann, Germaine Tailleferre, Maria João Pires, uma vez que o objetivo deste dia é mesmo esse.

Todas estas formas esquisitas de celebrar o Dia Internacional da Mulher deixaram-me desiludida, estupefacta, e com vontade de boicotar todas elas. Todos os anos me inquieto com os jantares do dia 8 de março, onde são mais as evocações ao órgão genital masculino, do que a nós mulheres. Pensei que as atividades promovidas por outras entidades fossem diferentes, mas afinal enganei-me.

Continuamos a ignorar “o elefante na sala”. Aos 25 dias do mês de novembro de 2024, a PJ tinha registado 344 casos de mulheres violadas entre janeiro e setembro desse ano. Nos primeiros três trimestres foram mortas 15 mulheres, num universo de 18 homicídios em contexto de violência doméstica. Segundo o observatório de mulheres assassinadas (OMA), entre 1 de janeiro e 15 de novembro de 2024, registaram-se 20 vítimas de femicídio consumado e 30 tentativas de femicídio. Só no ano de 2024, em Portugal, foram assassinadas 25 mulheres.

Em 2024, a APAV registou 23742 crimes de violência doméstica, e 543 crimes sexuais contra pessoas adultas. O perfil geral destas vítimas, registado pela APAV, é do sexo feminino, cerca de 76,3% das vítimas destes crimes são mulheres.

A violência sexual online continua também a crescer. No ano passado, em agosto, foi identificado um grupo português restrito, com cerca de 70 mil homens, no Telegram, onde os membros se encorajavam a partilhar imagens explícitas de mulheres.

De acordo com dados estatísticos do Pordata, as mulheres recebem, em média, menos 16% do que os homens, o que se traduz numa diferença real superior a 238 euros por mês.

Estes são alguns dos exemplos da nossa realidade. Não tentem apagar esta realidade com atividades disfarçadas de moral, que vendo bem só nos desvalorizam. De que serve a masterclass de imagem, o workshop de autocuidado, ou saber cozinhar com um robot quando os números são estes, e são surreais. De que serve aprender macramé, ou ouvir Beethoven ou Chopin num recital romântico, quando todos os dias, no mundo, 140 mulheres e meninas são mortas pelos seus parceiros íntimos ou familiares, o equivalente a uma a cada 10 minutos.

Enquanto ignoramos “o elefante na sala” a aprender macramé, autocuidado e a cozinhar, os números aumentam, mulheres e meninas morrem, e o recital romântico de Beethoven não sensibilizou ninguém.

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