Há conversas que nos deixam a pensar. Pequenos diálogos que se infiltram na mente e ganham raízes, obrigando-nos a questionar tudo o que achávamos saber ou dávamos como certo. Foi isso que me aconteceu, num destes dias, numa troca de palavras com alguém de quem gosto muito — alguém a quem, num misto de ternura e provocação, chamo carinhosamente de “estúpido”. Forma estranha de tratar alguém, bem sei, mas todos temos formas estranhas de chamar quem nos é especial.
Ouvi-o atentamente.
Fiquei a pensar na nossa conversa e no que me disse, embora já tivesse, de alguma forma, uma opinião formada. Mas sem querer revelar demasiado, sem querer partilhar mais do que devo, fiquei presa nesta ideia: quantas vezes nos encontramos num limbo entre duas vontades ou desejos?
Entre a necessidade de liberdade, de explorar, de viver sem amarras… e o desejo de ter alguém ao lado. Alguém que nos acolha, que nos segure na instabilidade dos dias, que nos olhe e nos veja de verdade. Que nos faça sentir especiais, mas que, ao mesmo tempo, nos dê espaço. Um verdadeiro equilíbrio entre ter — alguém — e ser — alguém, na nossa individualidade.
Será que temos mesmo de escolher?
Será que o equilíbrio entre estes dois mundos é uma utopia?
Eu acredito que não!
Sempre acreditei que é possível conciliar os dois mundos. Talvez até sejam, na verdade, três. O meu. O dele. O nosso.
Sim, acredito que é possível, quando há verdadeira cumplicidade. Quando a intimidade se constrói de forma natural. Aí, nem o céu é o limite. Não deveria haver barreiras. Não deveria haver um “ou isto, ou aquilo”. Um “ou é assim ou não é”.
Lembrei-me de uma frase de Gabriel García Márquez que sempre me tocou:
"Nem o amor é uma gaiola, nem a liberdade é estar sozinho. O amor é a liberdade de voar acompanhado. E deixar ser sem possuir."
É isso. A essência está precisamente aí. A vida a dois não tem de ser uma prisão, nem a liberdade precisa de ser solidão.
Bem sei que isso não se força. Não se constrói com pressa, nem se impõe. É preciso tempo. Aquele que tantas vezes queremos e teimamos em apressar.
Não escolhemos as pessoas com quem criamos intimidade, conexão, desejo. Ou acontece… ou não acontece. De forma natural e imediata.
E, quando acontece — quando duas peças do mesmo puzzle se encontram — tudo encaixa sem esforço. A partilha acontece.
Ter alguém ao lado não significa abrir mão de quem somos. Do nosso ser. Da nossa liberdade. Significa encontrar alguém que entenda que o “eu”, o “tu” e o “nós” precisam de existir em harmonia. Alguém que nos permita espaço para sermos livres, mas que, ao mesmo tempo, esteja lá para partilhar os momentos que realmente importam – os tranquilos e os intensos, os simples e os ousados.
Acredito que isso existe!
Mas sei que não é fácil. Não surge num estalar de dedos. Num piscar de olhos.
Não podemos simplesmente chegar ao pé de alguém e despejar tudo o que nos vai na cabeça. Nem sempre será bem recebido. Nem sempre a outra pessoa estará pronta para ouvir certas coisas. Para aceitar outras.
Intimidade não se impõe. Descobre-se. Revela-se aos poucos. Mas, quando se encontra essa sintonia, empatia, cumplicidade e desejo…
Quando há esse encaixe…
Quando ambos se permitem quebrar barreiras…
Então tudo se torna possível. Até aquilo que antes parecia impossível.
As peças do puzzle juntam-se como se sempre tivessem estado destinadas a isso.
Talvez demore. Talvez seja preciso coragem. Tempo. Construção.
Mas continuo a acreditar que o ser humano não nasceu para viver sozinho. Disse-o. Disse-lhe.
É nisto que acredito.
E… que algures por aí, existe sempre alguém com quem partilhar tudo. Mesmo as loucuras. Mesmo os desejos. Mesmo as partes que guardamos em silêncio, à espera do momento certo para serem ditas. Sem medos ou receios.
Afinal, quem não guarda segredos e desejos? Quem não esconde fantasias e vontades?
O “estúpido”, como carinhosamente lhe chamo, talvez apenas precise de limpar a cabeça e quebrar as barreiras. A vida fluirá.
E talvez esse momento, em que as peças — como num puzzle — se encaixam, esteja mais perto do que ele imagina.