Quando me inscrevi como voluntária no projeto Uma Voz Contigo, imaginei que seria apenas mais uma atividade solidária: uma chamada por semana, uma conversa breve, um gesto simples para combater o isolamento de alguém. Algo que, aparentemente, não requeria muito de mim. Simples, certo? Dás uns minutos do teu dia, falas com uma pessoa, sentes-te grata. Um compromisso leve, quase simbólico. Sem muito trabalho.
Mas o que encontrei foi tudo menos simbólico.
Comecei a medo. Uma chamada, sem saber o que esperar do outro lado. Do outro lado, encontrei o Sr. Manuel — deixemos o nome verdadeiro guardado no silêncio cúmplice de quem escuta e de quem fala. Um homem de voz pausada, riso tímido e histórias densas, que me acolheu desde o primeiro telefonema com uma naturalidade desconcertante. Sábias partilhas. Um carinho inimaginável. Semana após semana, aquela chamada deixou de ser apenas uma tarefa solidária para se tornar um momento esperado, desejado, precioso. Da parte dele. E da minha.
Falávamos de tudo: do tempo e dos tempos. Das novelas que já não o prendem. Das saudades da mulher que partiu cedo demais. Da música que ouvia quando ainda dançava. Do mundo que agora vê passar da janela. Do seu quintal, que continua a cuidar com amor e carinho. Das visitas à Associação da terra que lhe permitem matar a solidão. Da família. E, sem dar por isso, falámos também de mim. Das minhas pressas, dos meus silêncios, das minhas tentativas de entender a vida com mais calma. Ele não sabia, mas devolvia-me a mim própria, em fragmentos de conversa.
Quando eu me atrasava a ligar, o meu telefone tocava. Era ele, do outro lado. Era o nosso ritual. A nossa presença mútua. A nossa amizade.
As conversas, inicialmente formais, tornaram-se partilhas genuínas. A cada chamada, percebia que não era apenas eu a oferecer companhia; também recebia ensinamentos, perspetivas, afeto, carinho e até amor. O Sr. Manuel tornou-se confidente, conselheiro, amigo. Alguém que me fazia refletir sobre o valor das pequenas coisas e sobre a grandeza de simplesmente estar presente. Fazia-me lembrar os meus avós. Aqueles que já partiram. Aqueles com quem partilhei tantas histórias e de quem guardo milhares de memórias.
A certa altura, deixei de saber quem dava mais a quem.
A ligação que começou como um gesto solidário transformou-se numa presença constante. Numa aprendizagem de escuta, de tempo e de humanidade. Aprendi que uma voz pode ser companhia, casa, abraço. E que há vozes que, mesmo depois do telefonema terminar, continuam connosco.
O programa terminou. Por agora. Mas as nossas chamadas, não. Mantemos o contacto por nossa iniciativa, porque já não somos “o programa”, somos eu e ele. Somos a amizade que criámos. Que ficou.
Uma Voz Contigo não me ensinou só a combater o isolamento dos outros. Ensinou-me, sobretudo, a reconhecer o meu. A compreender que, por vezes, ao estendermos a mão a alguém, somos nós quem acabamos por ser amparados.
Este projeto é muito mais do que uma iniciativa de combate ao isolamento social; é uma ponte entre gerações, entre vidas que, de outra forma, talvez nunca se cruzassem. E, no meu caso, essa ponte levou-me a uma amizade que guardarei para sempre. Porque, no fim, foi ele quem me mostrou que o mais importante não é o tempo que se dá, mas a presença que se oferece.
E talvez seja isso, afinal, que mais importa.
Muito mais do que uma chamada — uma amizade. Uma voz que ficou comigo.
Há projetos que merecem ser partilhados. Se quiseres saber mais podes consultar aqui: https://www.estoucontigo.pt/
Também, tu, podes fazer a diferença!