Uma equipa de cientistas do Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) conseguiu a melhor purificação do isótopo radioativo 222 de Radão (222Rn) da história, reduzindo a sua concentração a 430 átomos por tonelada de alvo de xénon líquido, um valor 5 vezes inferior ao obtido por outras experiências que usam a mesma tecnologia, de acordo com o comunicado enviado à Central Press.
Este resultado, obtido no âmbito da experiência internacional XENONnT, um sistema com um nível de sensibilidade sem precedentes na deteção de matéria escura, está publicado na prestigiada revista Physical Review X.
O XENONnT foi construído para a deteção direta de matéria escura. Está instalado no laboratório subterrâneo de Gran Sasso, em Itália, debaixo de 1300 metros de rocha, para reduzir os níveis de radiação cósmica drasticamente em relação aos que existem à superfície do nosso planeta. Este sistema usa como alvo seis toneladas de xénon ultra-purificado.

Como explica José Matias-Lopes, coordenador da equipa portuguesa, «uma radiação ao passar pelo alvo pode produzir, em geral, sinais ínfimos de luz e carga. A esmagadora maioria destes sinais (mais de 99,99%) devem-se a radiações de origem conhecida, o que permite aos cientistas calcular com grande precisão o número de eventos esperados».
O requisito mais importante para medir eventos tão raros como os dos neutrinos e da matéria escura é que o alvo tenha o nível mais baixo possível de radiação (radiação de fundo), para que possa distinguir o que se pretende medir. Para conseguir alcançar tal meta, tecnicamente tão exigente, todos os tipos de fontes de radiação contam, incluindo até a presente no próprio alvo de xénon e a que provém dos materiais de que é construído o sistema de deteção (XENONnT).
De acordo com o investigador do Departamento de Física da FCTUC, para lidar com a mais limitativa de todas, a colaboração XENONnT conseguiu reduzir o nível de contaminação do isótopo 222Rn para níveis sem precedentes graças a uma coluna de destilação com um sistema inovador de bomba de calor criogénica, especialmente desenvolvida para o efeito pelos especialistas envolvidos. «Todos os materiais usados no XENONnT foram cuidadosamente selecionados (até o mais pequeno dos parafusos) para terem o mais baixo nível possível de radiação», revela o cientista.
O XENONnT tem como alvo o local do planeta Terra com a menor radiação de fundo de toda a história da Humanidade, dando, assim, início a uma nova era na direção da matéria escura, por iniciar a deteção do nevoeiro de neutrinos, onde coexistem com a matéria escura, que, por serem quase indistinguíveis, dificulta a sua deteção.
Por outro lado, o nível extraordinariamente baixo de radiação alcançado neste sistema também permite estudar um grande número de fenómenos particularmente raros, tais como a interação de matéria escura na forma de axiões solares, de partículas análogas aos axiões, neutrinos com momento magnético anómalo e a deteção por dispersão elástica coerente neutrino-núcleo (CEvNS, sigla em inglês).
«Através destas condições, o XENONnT reafirma o seu lugar como o melhor observatório de partículas espaciais de baixa energia, uma vez que poderá realizar medições de neutrinos com alta precisão e pesquisas de eventos extremamente raros, como o duplo decaimento beta dos isótopos 124 e 126 de Xénon. Para além disso, poderá continuar a testar a existência de um número alargado de candidatos de matéria escura, incluindo as partículas massivas de interação muito fraca (WIMPs, sigla em inglês), até ao limite do nevoeiro de neutrinos», conclui.
O artigo científico “Radon Removal in XENONnT down to the Solar Neutrino Level” pode ser consultado online.