O encerramento dos canais de música da MTV em 2025 simboliza a viragem definitiva da cultura audiovisual para o digital. Entre nostalgia e reinvenção, artistas, produtoras e anunciantes enfrentam o desafio de adaptar-se à lógica dos dados e do nicho.
O anúncio do encerramento dos canais musicais da MTV na Europa, até ao final de 2025, marca o fim simbólico de uma era. Segundo a Paramount Global, canais como MTV Music, MTV 80s, MTV 90s, MTV Live e Club MTV deixarão de emitir em vários países, incluindo o Reino Unido, Irlanda, Alemanha e Polónia.
Mais do que o desaparecimento de um conjunto de frequências, este é o reflexo de uma mudança profunda no modo como a música é descoberta, consumida e promovida.
Quando a MTV mudou o som e a imagem
No início dos anos 80, a MTV revolucionou a indústria ao unir som e imagem. Foi o primeiro canal dedicado em exclusivo a videoclipes, tornando-se o principal palco de estreia e promoção musical.
Com a sua chegada à Europa, em 1987, a MTV consolidou-se como o espaço onde os artistas queriam estar e onde o público se encontrava para ver e ouvir as novas tendências.
Mas o sucesso trouxe também a necessidade de evoluir. Os artistas começaram a exigir mais visibilidade, e o público, saturado de repetições, procurava formatos alternativos. A MTV respondeu com entrevistas, reality shows, especiais ao vivo e programas temáticos. A “televisão de música” deu lugar a uma televisão de entretenimento musical.
A ascensão do digital e o declínio do linear
Com o avanço da internet, o modelo linear começou a desmoronar. O YouTube substituiu a grelha de programação por uma biblioteca infinita; o Spotify transformou o consumo musical em streaming sob medida; e as redes sociais criaram uma nova forma de descoberta - fragmentada, imediata e personalizada.
A televisão perdeu a exclusividade e, com ela, a atenção das novas gerações.
Hoje, os podcasts e as plataformas de streaming são as novas vitrines do som e da imagem. A vantagem? Métricas em tempo real, interatividade e personalização.
Os anunciantes perceberam rapidamente: é mais rentável investir num vídeo patrocinado com relatórios analíticos do que num espaço publicitário tradicional cuja audiência é estimada. Assim, a publicidade migrou - e o modelo de negócio da TV musical perdeu o chão.
As empresas sabem que mais do que patrocinar, precisam de dados analíticos que justifiquem a sua decisão de investimento e mesmo aqueles que ainda têm investimentos directos sobre os seus programas começam a ver as empresas a apostar na empresa onde os programas são veiculados, mais do que na pessoa do programa que pode a qualquer momento ser alvo de rumores, perder engajamento ou represálias por parte do público.
A TV a cabo e o cabo da TV
A cultura de televisão por cabo vive um momento de reinvenção. Deixou de ser o destino final do entretenimento para tornar-se uma entre várias janelas de distribuição.
Enquanto a MTV encerra os seus canais musicais, muitas operadoras ajustam as suas grelhas, substituindo canais lineares por aplicações, streaming e conteúdos sob demanda.
Mais do que “estar no cabo”, o desafio é sobreviver no ecossistema digital, onde o algoritmo é o novo programador e o público é o curador.
Desafios para artistas e produtoras
O fecho da MTV deixa uma mensagem clara: quem não acompanhar o digital ficará para trás.
Há artistas em ascensão que ainda dependem de estratégias tradicionais - lançamentos físicos, divulgação limitada, ausência nas plataformas - e que, por isso, correm o risco de invisibilidade.
O mesmo se aplica a pequenas produtoras e editoras que continuam desalinhadas da realidade económica da internet: a ausência de competências em marketing digital, SEO de vídeo e gestão de redes limita o seu alcance.
No novo panorama, a diferença entre ser visto ou ignorado está na capacidade de segmentar, analisar e agir com base em dados. O mercado musical tornou-se uma indústria de nichos inteligentes, sustentada por campanhas direcionadas e pela leitura precisa de métricas.
Entre o fim e o recomeço
O encerramento da MTV não é apenas o fim de um canal - é o ponto final de uma geração que cresceu com a televisão como mediadora da cultura popular.
O seu legado, porém, sobrevive na lógica que ajudou a criar: a união entre música, imagem e emoção.
Hoje, essa herança vive nas mãos de milhões de criadores digitais, que reinventam a forma de comunicar, descobrir e consumir música — sem horário marcado, sem intermediários, e com liberdade total de expressão.
A MTV ensinou o mundo a ver música. Agora, é o digital que ensina o mundo a viver dela.