A jornalista e escritora norte-americana Lionel Shriver manifestou-se, este domingo, muito preocupada com a Inteligência Artificial (IA), pela diminuição da qualidade da escrita, e por ser uma ameaça à aprendizagem da escrita e da própria língua. O receio foi manifestado durante uma conversa com o autor Rui Cardoso Martins sobre o tema “Morte”, na última mesa de autores do FÓLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos, de acordo com o comunicado enviado à Central Press.
“Estou preocupada com os miúdos serem educados pela IA, e por a IA escrever por eles. Isto é uma catástrofe, porque escrever é pensar e, se não escreverem, não aprendem a pensar”, justificou a autora de “Mania” e “Vamos ou ficamos?”. “Pôr os pensamentos em palavras é uma forma de pensar. Se as crianças não aprenderem a escrever, não vão aprender a própria língua. Isso é a morte da língua”, alertou.
Lionel Shriver confessou que, quando surgiu a IA, não sentiu a sua profissão ameaçada, e continua a não estar convencida que uma máquina possa escrever um romance como ela escreve, por estar continuamente a mudá-lo. “Mas agora estou muito preocupada. Preocupa-me que as pessoas, mesmo sendo leitoras, estejam menos atentas à qualidade da escrita, mais do que os escritores, e possam contentar-se com textos mal escritos”, explicou. “A IA consegue criar romances, e temo que as editoras comecem a publicá-los, pois é muito mais barato.”
“A IA mastiga as obras de toda a gente. Não uso, nem tenho idade para o fazer”, afirmou o escritor português, Rui Cardoso Martins. “Dou aulas na Universidade Nova e na Lusófona, e estou numa luta muito grande. Digo aos meus alunos que, se estão a aprender e a viciar a escrita, vão escrever todos as mesmas coisas, e matar a imaginação”, referiu. “Com a IA, escrevem mais ideias banais e dão menos erros. Vejo logo que não foram eles que escreveram”, observou. “Se não estiveres disposto a conhecer-te melhor, a tua escrita será um engano.”
Autor de “As melhoras da morte”, Rui Cardoso Martins decidiu escrever o livro após ter lido um obituário, em que um jornalista descrevia a morte de um governante como uma morte metafórica. “A morte nunca é metafórica”, sublinhou. “O primeiro capítulo foi traduzido para inglês como a ‘convalescença da morte’, o que se aplica tantas vezes quando alguém melhora poucas horas antes de morrer. De repente, parece que fica com esperança, e arranja força para se despedir de quem gosta.”