A história e o processo de produção das oito gárgulas executadas em calcário das pedreiras de Porto de Mós, instaladas na sede dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), e que constituem uma das obras referenciais da longa carreira do artista plástico alcobacense José Aurélio, está agora disponível em livro, resultado de uma investigação conduzida pelo LiDA - Laboratório de Investigação em Design e Artes, do Politécnico de Leiria. A obra, intitulada "Badames, Ponteiros e Bujardas: As Gárgulas da Torre do Tombo", é a primeira lançada pelo LiDA em colaboração com uma editora, permitindo levar às livrarias os resultados da investigação, tendo sido apresentada no dia 18 de dezembro, em Lisboa, de acordo com nota de imprensa enviada à Central Press.
Com base em materiais de arquivo e entrevistas com pessoas envolvidas no processo, nomeadamente o autor das esculturas, o livro acompanha o percurso da obra artística, entre 1987 e 1990, desde a sua conceção até à sua realização, bem como os diferentes modos de apropriação que gerou.
Iniciado em 2021 pelo professor João Bonifácio Serra – nome incontornável do mundo das artes e da cultura, falecido em abril de 2023 –, no âmbito de uma investigação do LiDA do Politécnico de Leiria, o livro foi agora finalizado, graças ao desejo dos vários intervenientes no projeto e do artista José Aurélio em torná-lo realidade.
“A importância de concluir esta investigação prende-se com duas razões distintas: a primeira consiste na vontade de prestar uma homenagem ao nosso colega e amigo João Serra, que tinha o essencial do projeto concluído no momento do seu falecimento; a segunda razão centra-se na essência do projeto. O LiDA tem vindo a desenvolver investigação sobre a história dos processos associados ao design e à arte. Consideramos que esta linha de investigação é essencial porque sustenta a identidade, a cultura e o próprio funcionamento do conhecimento no âmbito destas áreas. Esta investigação é uma de várias que se encontram em desenvolvimento sobre estas questões, e que se orientam para a preservação da memória dos processos técnicos e concetuais utilizados por artistas e designers portugueses”, explica Renato Bispo, coordenador do LiDA e professor da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha.
Criando um diálogo com os textos dos vários autores que participam no livro, é apresentado um registo fotográfico que documenta a execução e instalação das gárgulas no edifício da Torre do Tombo. Através deste registo visual é possível perceber as técnicas e ferramentas utilizadas na concretização da obra, algumas das quais criadas pelo próprio artista, permitindo compreender não só os conhecimentos técnicos, mas também o contexto em que as gárgulas foram criadas, tanto na pedreira, como no estúdio do artista ou durante a sua instalação no edifício.
“Este percurso é rico em detalhes, como é exemplo o facto de as esculturas terem sido terminadas ao ar livre, para que o seu autor tivesse uma melhor perceção de como a luz natural se relacionava com as suas formas”, destaca o coordenador do LiDA.
A Torre do Tombo foi a primeira instalação cultural decidida e construída pelo novo estado democrático português. Projetado em 1980/81 pelo arquiteto Arsénio Cordeiro, e selecionado através de um concurso público, o edifício começou a ser construído na Cidade Universitária de Lisboa em 1985, tendo sido inaugurado em 1990.
Em 1986, Arsénio Cordeiro propôs que o escultor José Aurélio concebesse e executasse oito gárgulas para concluir o sistema de drenagem das águas pluviais do edifício. Para além da sua função no sistema hidráulico da Torre do Tombo, as gárgulas assumiriam também um papel simbólico, quebrando a rigidez do edifício e revelando, de forma alegórica, ao exterior, os sinais do que se encontra no seu interior. O resultado foi uma obra artística singular e monumental, gerada numa relação dialógica com a arquitetura e o espaço público. Esculpidas diretamente em calcário moca de Porto de Mós, cada uma das gárgulas tem dimensões de 2 x 2 x 2 metros e pesa cerca de 18 toneladas.
“Esperamos que o lançamento deste livro seja o início de uma nova fase em que a investigação conduzida no LiDA tenha uma maior visibilidade fora dos circuitos da investigação, contribuindo para uma maior consciência pública sobre o papel das artes e do design enquanto formas de conhecimento e intervenção sociocultural”, conclui Renato Bispo.
