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Armamar recorda fadista Manoel Monteiro em exposição que reúne feitos do cantor no Brasil

Redação Central Press/
27/05/2025, 11h12
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13 min
Exposição homenagem fadista Manoel Monteiro ©Agência Incomparáveis
Exposição homenagem fadista Manoel Monteiro ©Agência Incomparáveis

No início do século XX, quando as promessas de uma vida melhor moviam milhares de portugueses a embarcarem rumo ao Brasil, nasceu uma das mais marcantes vozes do fado além-mar: Manoel Monteiro. Natural de Cimbres, freguesia de Armamar, este artista é hoje celebrado na sua terra natal com uma exposição que presta tributo à sua vida e obra. Intitulada “Manoel Monteiro: a vida e a carreira do maior cantor de Portugal no Brasil”, a mostra está patente no Centro Interpretativo da Mulher Duriense, em Armamar, até ao dia 17 de junho.

A história da emigração portuguesa para o Brasil, especialmente para o Rio de Janeiro, é também a história de uma diáspora cultural. Entre os muitos que partiram, Manoel Monteiro destacou-se não apenas como emigrante, mas como um dos principais embaixadores da música portuguesa no outro lado do Atlântico. O seu percurso é um testemunho do poder da arte na construção de pontes entre países irmãos.

Da infância em Cimbres à ribalta na cidade maravilhosa
Manoel Monteiro nasceu a 15 de maio de 1909 em Cimbres, filho de António dos Santos Monteiro e Carlota dos Santos Trindade Monteiro e teve duas irmãs. Emigrou para o Brasil com apenas 14 anos, chegando ao Rio de Janeiro em 1923. Cerca de três anos depois, familiares regressaram a Portugal, mas Manoel decidiu ficar. Foi no seio da comunidade luso-brasileira que começou a trabalhar no comércio.

Foi em 1933 que deu os primeiros passos no mundo da rádio, ao integrar o programa “Luso-Brasileiro” da Rádio Educadora do Brasil, dedicado à comunidade portuguesa. Nesse mesmo ano, lançou os seus primeiros discos com os fados “O teu olhar” e “O último fado”, ambos de Carlos Campos. Era o início de uma carreira promissora que viria a consagrá-lo como “o maior cantor de Portugal no Brasil”.

Em entrevista à nossa reportagem, os seus sobrinhos, Fernando Pinto e Arminda Pinto, de 75 e 69 anos, respetivamente, residentes em Cimbres, reforçaram ser um “enorme orgulho” poder ver o trabalho deixado por Manoel Monteiro ganhar destaque.

“Ele escrevia muitas cartas a contar a sua vida no Brasil, as conquistas e também as dificuldades. Mandava para Cimbres muitas coisas num saco pelos correios, como café, por exemplo, além de roupas e sapatos, lençóis, revistas e até um aparelho de rádio da época”, contaram Fernando e Arminda.

“A homenagem está bem composta. Andamos sempre a lutar e a vereadora garantiu-nos que iria fazer esta homenagem. Esperamos que a juventude conheça o seu legado, a vida de um homem que deixou a terra e ajudava a família em Portugal e os amigos do Brasil. A música foi um dom que nasceu com ele”, completaram os irmãos.

Arminda Pinto e Fernando Pinto, sobrinhos de Manoel Monteiro ©Agência Incomparáveis
Arminda Pinto e Fernando Pinto, sobrinhos de Manoel Monteiro ©Agência Incomparáveis

“Falar do fadista Manoel Monteiro é resgatar um laço familiar que carrego com muito carinho e orgulho. Manoel é o meu primo por parte do meu avô — o pai dele, António dos Santos Monteiro, era irmão do meu bisavô, Germano dos Santos Monteiro. Desde pequeno, ouço o meu avô contar histórias sobre ele e cantar as suas músicas, o que despertou em mim uma admiração profunda pelo artista e pelo parente que fez história”, comentou Alex Sandro Monteiro Camelo, primo de Manoel Monteiro.

Este familiar, que está hoje ligado à promoção do folclore português, mais precisamente minhoto, no Brasil, através da Casa do Minho do Rio de Janeiro, confessa emocionar-se com as canções do seu primo, como "Meu Barquinho", "Fado de Cimbres", "Fado do Ceguinho", entre tantas outras que marcaram época.

“Tenho muito orgulho em dizer que Manoel Monteiro é meu primo e foi o grande pioneiro do fado no Brasil. Um artista talentoso que dividiu palco com outros nomes consagrados da música, deixando a sua marca na cultura luso-brasileira. A minha trajetória no Rancho Folclórico Maria da Fonte, onde danço desde 2003 — há 22 anos — também reforça esse elo. Guardo com carinho fotos do Manoel com grandes baluartes do nosso grupo, eternizando a sua presença na história do Rancho que tanto amo. Foi graças a ele que despertei o interesse em montar a árvore genealógica da nossa família, na busca por resgatar as nossas origens e reencontrar os laços com os nossos parentes de Paquetá — lugar onde Manoel viveu e teve uma convivência marcante com a nossa família de lá”, contou Alex Camelo, que diz sentir “alegria” pelo facto de “ver que Manoel Monteiro também fez parte da história de dois dos teatros mais emblemáticos do Rio de Janeiro: Teatro Carlos Gomes e Teatro João Caetano”.

“É emocionante saber que a sua voz ecoou em palcos tão importantes, contribuindo para a valorização da nossa cultura. Manoel Monteiro é, sem dúvida, um orgulho da nossa família e da história do fado no Brasil. Sou grato por fazer parte dessa linhagem de tanta riqueza afetiva e cultural”, finalizou Alex Sandro Monteiro Camelo.

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Legado em bom “tom”
Manoel Monteiro gravou mais de 500 músicas e dezenas de discos de 78 rotações, muitos deles editados pelas gravadoras Odeon e Todamérica, referências na altura. Entre os seus temas mais conhecidos estão “Santa Cruz”, “Marcha das Rosas”, “Chora a Cantar”, “Cimbres” (em homenagem à sua terra natal), “Uma porta, uma janela” e “Manjerico do meu amor”.

Além de fadista, atuou como ator e foi responsável pela coreografia do filme “Inconfidência mineira”, dirigido por Cármen Santos. Apesar da sua relevância artística, este fadista assumiu um papel importante na preservação da identidade portuguesa entre os emigrantes. Os seus concertos, muitos deles realizados em casas típicas e clubes portugueses no Brasil, eram espaços de reencontro com a memória, o sotaque e a melodia da pátria.

Em 1939, regressou a Portugal para uma digressão que passou por Lisboa, Porto e Coimbra, consolidando a sua reputação como fadista também em solo luso, apesar de se sentir “recebido com desconfiança pelos artistas locais”. No entanto, seria no Brasil que continuaria a viver e a cantar, tornando-se uma figura incontornável da música portuguesa na diáspora.

O reconhecimento do seu contributo está também presente no livro “Luso-brasilidade musical – a influência da música na ligação entre Brasil e Portugal”, publicado pela FUNARTE – Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura do Brasil, na qual pode-se conhecer parte da importância do fado como expressão viva da cultura luso-brasileira, e como a música conecta Brasil e Portugal.

“Uma voz linda, sonora, maravilhosa”
Na opinião de Jorginho Portugal, músico, cantor, compositor, arranjador e produtor musical português, natural da cidade de Viseu, e emigrado no Brasil há mais de 50 anos, Manoel Monteiro “era um homem sem vaidades, com imenso talento e um ser humano acima da média”.

“O que marcou muito a minha vida foi ter convivido, quase que semanalmente, com os dirigentes da “Malta Editora”, da “Revista Portugal 10 de Junho”, do programa “O Show da Malta”, na Rádio Bandeirantes, e do “O Show da Malta na TV”. Nessa exuberante época, tive a honra de conhecer o cantor e fadista português Manuel Monteiro, que, no Brasil, fez bastante sucesso, tendo sido o grande pioneiro destas últimas dezenas de anos na divulgação da nossa música portuguesa no Rio de Janeiro e em várias partes do Brasil”, frisou Jorginho, que destaca que Monteiro, em terras brasileiras, atuou na companhia do cantor e compositor brasileiro Moreira da Silva, entre outros nomes, como Vicente Celestino, Olegário Mariano, Carmen Miranda, Amália Rodrigues, Sílvio Caldas, Francisco José, Olivinha Carvalho, Maria Sidónio, Manuel Taveira, Maria José Villar, assim como Maria Alcina, fadista natural de Cetos, em Castro Daire, radicada no Brasil há mais de 60 anos.

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“Manoel Monteiro, o pioneiro da música portuguesa no Brasil. Uma voz linda, sonora, maravilhosa. Uma voz muito bem constituída, já de nascença. Então, só posso dizer que tive muito orgulho de o conhecer, ainda quando, no auge da sua carreira, se apresentava em circos e nas casas de espetáculo, reunindo um grande público, mais do que, por exemplo, o grande Roberto Carlos. Eu tinha muito orgulho dele por ser aquele homem português”, comentou Alcina, que recorda ter convivido com ele por “muitos anos, sempre com uma grande amizade”.

A fadista castrense menciona ainda que, certa vez, ela e o parceiro musical António Campos souberam que Manoel Monteiro estava a passar “dificuldades e a viver em péssimas condições” e juntaram forças para o ajudar.

“Eu e o Campos fomos ao seu encontro, num local pouco habitável, tirámo-lo de lá, junto com o comendador Modesto, alugamos um apartamento com dignidade, muito bem arrumado, com uma enfermeira para cuidar dele e uma empregada para lhe fazer a comida, e tudo isso ele teve até falecer, graças a Deus e à nossa comunidade. O António Campos visitava-o quase todos os dias para lhe levar alguma comidinha feita por ele, pois o Campos cozinhava muito bem e procurava sempre estar junto dele e eu também. Quando ele faleceu, fizemos um enterro digno”, revelou Alcina, que garantiu também que “Manoel Monteiro é um grande símbolo da música portuguesa no Brasil, eternamente”.

“Foi ele quem nos abriu os caminhos”, reconheceu Alcina.

A discografia de Manoel Monteiro foi intensa, no entanto, faleceu em 26 de novembro de 1990, com 81 anos, ficando sepultado no Rio de Janeiro.

Exposição em Armamar: um regresso às origens
Foi precisamente para assinalar este legado que, no passado dia 17 de maio, foi inaugurada a exposição dedicada à vida e obra do artista, na sala multiusos do Centro Interpretativo da Mulher Duriense, em Armamar. A cerimónia contou com a presença dos seus sobrinhos, Fernando Pinto e Arminda Pinto, do vice-presidente da Câmara Municipal de Armamar, António Silva, da vereadora da Cultura, Cláudia Damião, do presidente da Assembleia Municipal, Rui Dionísio, e do presidente da Junta de Freguesia de Cimbres, António Rodrigues.
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Para Cláudia Damião, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Armamar, é “nossa responsabilidade cultural valorizar estes expoentes máximos da nossa cultura. Esta é a grande motivação, deixar que nada fique no esquecimento no que diz respeito a Manoel Monteiro, uma pessoa que foi tão importante no Brasil, sendo português”.

Cláudia Damião enalteceu Manoel Monteiro ao dizer que “era um ser tão genuíno, simples e que não perdeu a ligação à sua terra natal e não deixou que a fama, o reconhecimento e a notoriedade ofuscassem esse carinho e esse gosto pela família”.

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“A sua forma singela de estar, quando disse que precisava de pouco mais do que estar vestido para ser rico, já é, de facto, alguém que merece até um estudo psicológico mais intenso. No final da sua vida, talvez ter vivido com mais privação e mais modéstia, não é isso também que nos deixa de sensibilizar”, defendeu esta vereadora, que estuda a possibilidade de levar a exposição a outros municípios.
Rui Dionísio, presidente da Assembleia Municipal da Câmara Municipal de Armamar, destacou a importância de se valorizar as comunidades portuguesas espalhada pelo mundo.

“Queria falar de um aspeto importante, que é o processo da diáspora e a valorização dos nossos emigrantes. E o motivo que nos traz hoje aqui é uma decisão extremamente importante. Portanto, vamos homenagear quem nos engrandeceu e nós temos um grande homem que é simples e que projetou, obviamente, a sua freguesia e concelho além-fronteiras. Esta iniciativa é fundamental porque, naturalmente, não há futuro sem memórias”, afirmou Rui Dionísio.

“Quero apenas agradecer ao Manoel Monteiro, através da sua família, por ter levado o nome de Cimbres para além de Portugal”, reiterou o presidente da Junta de Freguesia de Cimbres, António Rodrigues, que pretende promover novas homenagens na freguesia que viu nascer Manoel Monteiro.

A mostra em Armamar inclui fotografias, discos, partituras, recortes de imprensa da época, objetos pessoais, documentos, cartas, vestuário e gravações que testemunham o talento de Manoel Monteiro. Uma oportunidade considerada “única” para descobrir o percurso de um homem que fez do fado a sua bandeira, da emoção, o seu timbre, e da saudade, um palco universal.

Uma homenagem necessária
Outro detalhe importante sobre este fadista é que Manoel Monteiro, com a letra "o", é o seu nome artístico. Embora o nome "Manuel" seja a forma tradicional portuguesa, o artista adotou a grafia "Manoel", mais comum no Brasil, o que pode ter, segundo fontes, “contribuído para a sua identificação com o público brasileiro”. Este nome aparece em discos, programas de rádio, filmes e homenagens, incluindo uma referência no "Samba da Bênção" do poeta e diplomata brasileiro Vinicius de Moraes: “A bênção Manoel Monteiro, e a todos os fadistas deste mundo!”.

Monteiro foi homenageado ao ter uma rua no Rio de Janeiro, no bairro de Coelho Neto, nomeada “Cimbres”. No Brasil, o cantor conta com sete nome de ruas, espalhadas por diversas cidades do País. Em Portugal, o seu nome foi dado a uma das ruas de Cimbres para “perpetuar o seu filho ilustre”.

Ao revisitarmos a história de Manoel Monteiro, revisitamos também a história de tantas e tantos que, como ele, cruzaram o Atlântico levando consigo a alma portuguesa. A exposição é mais do que uma homenagem, é um resgate da memória e da cultura da emigração, num momento em que se volta a valorizar o papel da diáspora portuguesa na construção de pontes entre nações e continentes.

E Armamar conta com diversos nomes que alcançaram grande dimensão nacional e internacional em domínios diversos. Em Cimbres, onde nasceu, e no Brasil, onde eternizou o fado, Manoel Monteiro permanece vivo. Na sua voz, ouviu-se — e continua a ouvir-se — o eco da portugalidade, que precisa cada vez mais ser recordado através do papel das comunidades portuguesas nos países de acolhimento.

Ígor Lopes - Agência Incomparáveis

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