A Polícia Judiciária (PJ), através da Diretoria do Norte, continua a aprofundar a investigação da denominada Operação Nexus, centrada em alegadas práticas de corrupção e fraude na obtenção de fundos públicos, nomeadamente no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O processo, que envolve entidades públicas e privadas, encontra-se repartido entre dois inquéritos distintos, conduzidos pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto e pela Procuradoria Europeia.
A mais recente evolução do caso ocorreu hoje, 12 de julho, com a detenção, no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, de um novo suspeito. Segundo fontes, este indivíduo, que terá exercido funções de topo no Banco de Portugal, é suspeito de ter recebido contrapartidas financeiras de empresas interessadas em contratos públicos. A detenção foi realizada no âmbito de um dos inquéritos ligados à Operação Nexus, sendo o arguido agora acusado da prática dos crimes de corrupção passiva, participação económica em negócio, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documentos e abuso de poder. Será presente ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto na próxima segunda-feira.
Contratos públicos sob suspeita
No centro da investigação está a alegada manipulação de concursos públicos para fornecimento de material informático e de cibersegurança a entidades públicas. As diligências realizadas até ao momento apontam para um esquema organizado e sistemático de obtenção de informação privilegiada, com o objetivo de beneficiar determinados operadores económicos à margem das regras de transparência e concorrência legalmente estabelecidas.
A investigação teve início a partir de denúncias de irregularidades em procedimentos de aquisição conduzidos por uma instituição de ensino superior público da região Norte, no âmbito de projetos financiados pelo PRR. O caso evoluiu para a suspeita de um conjunto alargado de práticas ilícitas que, segundo a PJ, envolviam a entrega de vantagens -patrimoniais e não patrimoniais - a funcionários das entidades adjudicantes.
Ações judiciais e medidas de coação
No total, já foram detidas seis pessoas desde o início da operação, incluindo membros da administração e funcionários de uma empresa tecnológica, um trabalhador de uma empresa concessionária de serviços públicos e um funcionário público. Os detidos foram presentes ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto para primeiro interrogatório.
Na quinta-feira, 11 de julho, o tribunal decretou prisão preventiva para dois arguidos: um diretor de vendas da empresa DecUnify, suspeita de manipular os processos de contratação pública, e um funcionário da Universidade do Porto. Ambos estão também proibidos de contactar outros arguidos, testemunhas e funcionários de um grupo empresarial mencionado na investigação.
Outros três arguidos foram suspensos do exercício de funções e ficaram sujeitos às medidas de coação de termo de identidade e residência, com idênticas restrições de contacto.
Em comunicado, o tribunal justificou as medidas de coação mais gravosas com base na existência de fortes indícios da prática dos crimes e com os riscos de continuação da atividade criminosa, de perturbação da instrução e de comprometer a recolha e veracidade da prova.
Um esquema com dimensão nacional
A operação desencadeada na terça-feira, 9 de julho, mobilizou cerca de 300 inspetores da PJ, acompanhados por peritos informáticos, financeiros e dois magistrados — um do DIAP Regional do Porto e outro da Procuradoria Europeia. Foram realizadas 103 buscas em diversos pontos do país, tanto em domicílios como em instalações institucionais e empresariais, com apreensões e arrestos que totalizam 4,6 milhões de euros.
Entre as entidades visadas nas buscas estão a Universidade do Porto, o Banco de Portugal, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), a Casa da Música, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, a empresa Águas do Douro e Paiva, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), a Universidade de Coimbra, o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, e a Brisa.
Apesar de os nomes não constarem formalmente nos comunicados da PJ, algumas destas entidades confirmaram publicamente as buscas e manifestaram disponibilidade para colaborar com as autoridades. A Universidade do Porto, por exemplo, declarou-se vítima de um alegado processo de cartelização. Já a Casa da Música indicou que prestou toda a colaboração e que não foram realizadas diligências adicionais sobre a instituição ou os seus quadros.
Termos técnicos explicados
- Corrupção passiva: crime cometido por quem aceita ou solicita vantagens indevidas em troca de um favorecimento no exercício das suas funções.
- Participação económica em negócio: quando um funcionário público interfere, direta ou indiretamente, em negócios ou contratos em que tenha interesse pessoal.
- Recebimento indevido de vantagem: aceitação de uma oferta ou promessa de vantagem que, embora sem ato imediato de corrupção, viola o dever de isenção do agente público.
- Falsificação de documento: alteração ou criação de documentos falsos com o intuito de enganar outrem.
- Abuso de poder: uso excessivo ou ilegal de autoridade com prejuízo para terceiros.
Envolvimento da Procuradoria Europeia
A Operação Nexus marca também um momento inédito em Portugal, ao juntar numa só investigação autoridades nacionais e a Procuradoria Europeia, num esforço conjunto de combate à fraude que afeta fundos comunitários. Este tipo de colaboração visa garantir uma resposta mais eficaz a infrações que lesam diretamente os interesses financeiros da União Europeia.
A investigação prossegue, estando ainda por esclarecer a total extensão do esquema e o número de entidades e pessoas envolvidas. A PJ e o Ministério Público continuam a recolher prova e a apurar responsabilidades.