Zacarias Nguenha, autor do livro de poesia “Costurar a Linguagem”, vencedor do Prémio Fernando Leite Couto, disse hoje que cresceu sem contacto com os livros, durante a sessão de entrega da distinção, que decorreu no auditório da Casa da Música.
Surpreendido por ter ganho o prémio, o professor de Português encarou-o como uma responsabilidade, e como uma oportunidade de ter contacto com escritores, portugueses e de outros países, durante o FÓLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, que decorre até dia 19 de outubro.
“Manica tem apenas uma biblioteca, e poucos autores, porque não temos contactos com livros, nem hábitos de leitura”, explicou Zacarias Nguenha. Aproveitou, por isso, a ocasião para manifestar a vontade de se abrirem mais bibliotecas, e até uma editora, na província, para que os jovens tenham mais oportunidades de ler e de editar as obras que escreverem. Como cresceu sem contacto com os livros, conheceu escritores, como Camões, nas aulas, o que lhe despertou a vontade de “produzir textos”.
Empenhado em escrever um livro que lhe possibilitasse abrir portas, o jovem moçambicano considerou o prémio não apenas uma conquista, em resultado do seu trabalho árduo, mas um teste. “É um caminho, uma oportunidade, e uma nova forma de trabalhar, que implica responsabilidade”, assumiu. “Vou levar ‘Costurar a Linguagem’ à comunidade de Manica e aos jovens, para se aproximarem mais dos livros”, afirmou. “Um livro só é um livro quando está em contacto com o leitor. É preciso que esteja com o leitor para que a experiência do autor possa encontrar outras geografias.”
Mas, antes de Zacarias Nguenha regressar a Moçambique, vai usufruir de uma residência literária de um mês, em Óbidos, oferecida pelo Município, tal como um cheque de 500 euros, e mais 500 euros referentes à aquisição de 50 livros do autor. Os prémios consistem ainda na oferta da impressão de 600 exemplares da obra em Moçambique e 150 mil meticais, pela Fundação Fernando Leite Couto. Já a Câmara de Comércio Portugal Moçambique financiou a impressão de 250 exemplares para vender em Portugal.
Rui Moreira de Carvalho, presidente da Câmara de Comércio Portugal Moçambique, afirmou que este prémio vai fazer a diferença na vida do escritor vencedor, por ser “um trajeto de chegada”. E anunciou que, no dia 24 de outubro, “Costurar a Linguagem” vai ser apresentado pelo autor em Lisboa, a jovens moçambicanos a estudar no ensino superior em Portugal. “Um jovem que chega cá, é um futuro embaixador de Portugal”, disse.
A importância da Câmara Municipal de Óbidos na difusão da cultura moçambicana, através a língua portuguesa, foi evidenciada por Rui Moreira de Carvalho. “Cada língua implica uma cultura, uma forma de ser e de estar na sociedade”, lembrou. A este propósito, contou que na primeira viagem oficial de Ramalho Eanes a Moçambique, o então Presidente da República perguntou porque tinham escolhido o Português como língua oficial, e explicaram-lhe que “todos os países à volta falam inglês”.
“Adquirimos 50 livros para ajudar o Zacarias Nguenha, e ficar com esta obra nas nossas bibliotecas para quem as visitam, como meio de cultura e viagem por outras geografias”, explicou Filipe Daniel, presidente do Município de Óbidos. Há alguns anos, a autarquia doou uma série de obras a Moçambique, mas ainda não chegaram ao destino, porque não os vieram buscar. “Falei com Mia Couto e com o Presidente da República, para ver se ajudavam a desbloquear, mas ainda não se conseguiu.”