Museu de Silgueiros destaca como “Peça do Mês” um utensílio que guardava o ouro verde da terra e o esforço das famílias rurais
No Museu de Silgueiros, a “Peça do Mês” convida os visitantes a uma viagem ao passado agrícola da Beira. O destaque vai para um pote de azeite em lata, com 42 centímetros de altura e 26,5 de diâmetro, um objeto simples mas profundamente simbólico. Muito mais do que um recipiente, este pote representava a economia doméstica, o esforço coletivo e a importância do azeite como bem essencial na vida rural.
A tríade da sobrevivência: vinho, azeite e milho
Na Beira antiga, três produtos sustentavam o quotidiano agrícola: o vinho, o azeite e o milho. Eram as “medidas” fundamentais da economia familiar e local, elementos de troca, alimento e sustento. Trabalhar de sol a sol, enfrentando calores intensos e geadas severas, fazia parte do ritmo natural das gentes da região. Desde cedo, homens, mulheres e crianças partilhavam o labor do campo, num ciclo que unia a terra ao tempo.
Ser dono de terras era privilégio de poucos. A maioria vivia de rendas pagas em géneros, quase sempre em alqueires de milho. Nas propriedades com oliveiras, o azeite pertencia ao proprietário, tal como o vinho do Dão, que era colhido “a meias” - metade para o dono, metade para o rendeiro.
Um bem escasso e cuidadosamente guardado
A escassez de azeite era uma realidade constante nas casas mais humildes. Nas ceias simples, as batatas eram regadas apenas com “um tiro” de azeite, vertido de uma almotolia de bico fino, feita propositadamente para libertar o mínimo possível. Cada gota contava.
Já nas grandes casas agrícolas, a apanha da azeitona era um momento de organização e comunidade. Realizava-se em lugares estratégicos, muitas vezes junto aos rios, onde a força da água movia os lagares. Produzia-se sem pressas, com paciência e método, durante longas “noites de lagar”, em que se transformavam toneladas de azeitona num líquido precioso e perfumado.
O pote: guardião da riqueza anual
De regresso a casa, o azeite era cuidadosamente guardado em potes de lata, como o que agora se exibe no Museu de Silgueiros. Eram colocados nas adegas ou rés-do-chão das casas agrícolas, locais frescos e sombrios que garantiam a conservação do azeite ao longo do ano.
A quantidade armazenada revelava o estatuto e o sucesso da colheita: nas casas abastadas, havia potes grandes e numerosos; nas mais modestas, pequenos recipientes guardavam o essencial para o consumo doméstico. Em ambos os casos, o azeite era um tesouro cuidadosamente vigiado, utilizado com parcimónia e respeito. Dali saía o condimento das refeições, o pagamento em espécie de trabalhadores e jornaleiros, e, em muitos casos, o símbolo da fartura familiar.
Testemunho de uma economia de valores e sacrifícios
O pote do azeite recorda uma época em que o trabalho agrícola moldava a identidade da Beira. Cada colheita representava um esforço coletivo, onde nada se desperdiçava e tudo se valorizava. O azeite era mais do que alimento - era moeda, herança e símbolo de dignidade.
Ao destacar esta peça, o Museu de Silgueiros cumpre a sua missão de preservar a memória etnográfica e de aproximar o público da história quotidiana da região. Através de objetos como este, revive-se o engenho das famílias rurais e a profunda ligação entre o homem, a terra e o tempo.
O “pote do azeite”, identificado no inventário sob o número 18.343, não é apenas um utensílio de ferro envelhecido. É um fragmento de vida beirã, testemunha silenciosa de gerações que fizeram do trabalho árduo e da partilha um modo de existir.
