A região centro é muito conhecida pelas suas inúmeras tradições e produtos genuínos que ainda são realizados à maneira mais antiga, preservando o valor de cada atividade.
Maria do Céu Reis, é fundadora e presidente da associação "o genuíno cobertor de papa", trabalhou numa fábrica do cobertor de papa na Guarda, durante 28 anos. Aprendeu esta arte com a mãe, de 89 anos, que ainda é artesã deste produto que, atualmente, tem imensa procura.
O cobertor de papa é uma espécie de manta que protegia os pastores do frio da serra, enquanto pastavam as ovelhas. É feito através da lã de duas raças de ovelhas que apenas existem nesta região do país.
A associação "o genuíno cobertor de papa", situada na freguesia de Maçainhas, no distrito da Guarda, é das poucas que continua a produção de uma tradição de anos. "Têm poucos apoios, para um processo tão demoroso", afirmou Maria do Céu Reis. A Central Press foi conhecer a realidade desta associação.

Central Press: Como é que surgiu esta associação dedicada ao cobertor de papa?
Maria do Céu Reis: Eu trabalhei durante 28 anos no cobertor de papa, como tecedeira. Entretanto, a fábrica fechou e eu achei que um património como este, que é único, deveria ser preservado. Por isso, criámos esta associação e começámos a trabalhar nesse sentido. Agora faço um pouco de tudo, claro que para tudo é necessário experiência, e com 28 anos de cobertor de papa, já basta olhar para o tecido e saber que está pronto. Na altura, na fábrica fazíamos o cobertor de papa artesanal e o industrializado, atualmente, só realizamos o artesanal.
Central Press: Como é que aprendeu a fazer o cobertor de papa?
Maria do Céu Reis: Aprendi com os artesãos da altura e também com a minha mãe. Ela já tem 89 anos, mas ainda é ela que enche as canelas e urge nesta associação.
Central Press: Como é que funciona a associação?
Maria do Céu Reis: O serviço que é realizado na "O genuíno cobertor de papa" é todo voluntário. O dinheiro que nós fazemos com as vendas é todo utilizado para comprar as lãs, pagar a renda da utilização da fábrica e não temos qualquer outro apoio.
Recebemos anualmente alguns apoios por parte da junta de freguesia e da câmara municipal e tudo o resto é obtido através de prémios que ganhamos em alguns concursos. Já estamos certificados, o que foi um passo muito grande para nós, e vamos andando devagar.
Na minha opinião, em Portugal deveriam de existir mais apoios na obtenção desta certificação, porque é uma mais valia para o produto. Sem este apoio, temos dificuldade em colocar o produto a um preço mais acessível ao consumidor. As portas da nossa fábrica estão sempre abertas, e as pessoas podem entrar e ver como se processam todas as fases do cobertor de papa, no fundo é uma associação de todos para todos.
Central Press: Qual é o processo de realização do cobertor de papa?
Maria do Céu Reis: O processo começa nas tusquias em junho, depois é transportada para os têxteis Tavares, na Guarda, onde é escolhida e lavada e é efetuado o processo de fiação. Com isto, o fio vai já pronto para Maçainhas, onde é levado para Seia para ser tingido. O fio é trazido de volta para a nossa freguesia onde vai ser urgido e é feita a feltragem com o pisão, e a partir daqui é tecido. É realizada a cardação, um processo onde o tecido vai ficar a secar nas cardas, para depois lhe ser dada a largura normal, porque, com as várias fases, o tecido encolhe e fica com um tamanho de 1,30 centímetros, após a secagem fica com o 1,80 centímetros. Exatamente por isto, estamos sempre dependentes do sol e, por isso, o tecer pode ser feito durante todo o ano, mas a parte da feltragem e cardação têm que ser realizadas a partir de fevereiro até novembro.
Central Press: O cobertor de papa era utilizado para quê?
Maria do Céu Reis: Antigamente, só existia este cobertor em mantas de farrapos e era utilizado, essencialmente, pelos pastores nas camas e também utilizado individualmente nas pastagens dos rebanhos. Atualmente, está a ser muito procurado para a utilização em camas, porque após a pandemia foi provado que a lã virgem é saudável e também é muito requisitado para decoração, em agendas, livros, sacos de cheiro. O cobertor de papa é um produto que depende muito da criatividade de cada pessoa, pode ter variadas utilidades. Existem até estilistas como Alexandra Moura que já realizaram desfiles com este cobertor e pode também ser utilizado como item de moda, como por exemplo em casaco. Também já foi utilizado como isolante de som, aplicado nas paredes de um compartimento.
Central Press: Qual é a lã utilizada no cobertor de papa?
Maria do Céu Reis: A lã que se utiliza no cobertor de papa é da raça churra do campo e churra mondegueira uma mistura das duas. A churra do campo vem da zona de Penamacor, em Castelo Branco, e a churra mondegueira vem da Covilhã, Trancoso e da Guarda, são os sítios onde realizamos as tusquias. São raças que estão em vias de extinção, a churra do campo tem 700 ovelhas e a churra mondegueira tem 2.500. Estão a preservar esta raça e a trabalhar nela para que não haja extinção, mas acabando estas ovelhas acaba também o cobertor de papa. Já pensámos em ter a nossa própria criação destas ovelhas, mas seria mais um encargo e como não existem apoios torna-se impossível. Tentamos sempre arranjar pastores que nos forneçam as lãs, ajudando-os também com isso.
Central Press: Realizam outras atividades enquanto associação?
Maria do Céu Reis: Sim, na nossa fábrica recebemos vários grupos de alunos e realizamos workshops e faríamos muito mais se tivéssemos mais dinheiro. Agora, durante o Carnaval, participamos sempre num desafio lançado pela autarquia, e este ano vamos realizar um galo de cobertor de papa e é esta a nossa identidade.