Os escritores Max Porter, 43 anos, e Tiago Ferro, 48 anos, partilharam, esta sexta-feira à noite, dia 18 de outubro, no FÓLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos, que a escrita foi a forma que encontraram para tentar expurgar a dor da perda da mãe, quando o autor britânico tinha 6 anos, e a dor da morte da filha, de 8 anos, no caso do escritor brasileiro, informou o Município de Óbidos em nota de imprensa enviada à Central Press.
Autor de “O pai da menina morta” e de “O seu terrível abraço”, Tiago Ferro explicou que, após a partida da filha, a 26 de abril de 2016, começou a “contar a história” através de posts no Facebook, que acabariam por ser publicados num ensaio, na revista “Piauí”, e depois “empurrados” para o romance. “Comecei a aprender o que poderia contar, conforme escrevia e desconstruía o diário. Quando escrevia, acontecia uma reconexão com o mundo, como alguém que tinha estado completamente fora. Era o olhar de quem não tinha mais nada a perder”, confessou o escritor brasileiro.
Tiago Ferro confidenciou que “só queria não acordar”. “Queria morrer, mas jamais me mataria”, sublinhou, em consideração pela mulher e pela outra filha, que já tinham sofrido tanto. Este sentimento perdurou um ano. O escritor comparou a morte da filha à “angústia” da pandemia. “Queria que aquilo acabasse e que as
coisas fossem diferentes. É assim que nasce o livro.”
“O luto é uma situação de extrema liberdade, porque se perdem todas as conexões sociais. A dificuldade foi entender isso racionalmente”, referiu o autor de “O pai da menina morta”. “O livro é tão fragmentário e cheio de questões que, conforme as pessoas foram lendo e os críticos opinando, entendi o que tinha passado”, constatou. “O livro é sobre a vida, e não sobre o luto.”
Na tentativa de negar o que tinha sucedido, Tiago Ferro refugiou-se na escrita. “A morte, que está sempre presente no livro, é a busca de um horizonte para sair desse inferno, mas essa salvação não passa de uma sequência de palavras”, disse. Apesar de não aparecer em várias passagens, afirmou que a morte da filha
está em todas as palavras e trechos, como uma “espécie de bomba-relógio”, e que ia “explodindo conforme escrevia”.
“Enquanto estamos a escrever um livro como este, no quarto, toca a campainha e temos de atender. Passamos de coisas dilacerantes para coisas triviais. Colocamos a dúvida se se deve colocar aquilo, enquanto se convive com o dia a dia”, referiu o autor brasileiro. “Estava a escrever o livro, e estava a ajudar a minha filha a estudar Matemática. Estamos no buraco e estamos no mundo.”