A tensão entre os Estados Unidos e a China escalou para o plano financeiro. Em resposta direta à imposição de tarifas de 104% sobre produtos chineses decretada esta semana por Washington, o governo de Pequim avançou com uma medida de alto impacto: vendeu 50 mil milhões de dólares em títulos da dívida pública norte-americana. A movimentação, considerada agressiva por analistas de dívida soberana, fez disparar os juros dos papéis a 10 anos, um dos principais termómetros de confiança dos investidores internacionais.
Os títulos a 10 anos do Tesouro dos EUA passaram a oferecer uma yield de 4,20%, face aos 3,85% registados horas antes. Este salto traduz-se num aumento substancial do custo de financiamento para a administração norte-americana, precisamente num momento em que o país prepara nova emissão de dívida. A subida dos juros também afeta diretamente o crédito interno, os investimentos e a estabilidade macroeconómica, numa altura em que a dívida pública total dos Estados Unidos ultrapassa os 34 biliões de dólares.
Arma financeira com alcance global
A China é, desde há décadas, um dos maiores credores dos Estados Unidos. Em março de 2025, Pequim detinha cerca de 759 mil milhões de dólares em títulos do Tesouro. Com esta venda massiva, a carteira de dívida norte-americana nas mãos do governo chinês caiu para aproximadamente 650 mil milhões — um valor ainda significativo, mas claramente abaixo dos picos de 1,3 biliões registados entre 2011 e 2013.
O gesto chinês surge após semanas de fricções comerciais e é visto como uma retaliação clara à estratégia protecionista norte-americana. A chamada "bomba atómica financeira" há muito era teorizada como possível ferramenta de pressão por parte de Pequim — e, perante o extremar de posições, foi finalmente acionada.
Olhares voltam-se agora para Tóquio
Se a China liderou a ofensiva, o Japão pode ser o próximo a intervir. Com mais de um bilião de dólares em títulos norte-americanos na sua posse, Tóquio acompanha com preocupação os desdobramentos da política tarifária dos EUA, especialmente no setor automóvel. Apesar de ter sido um dos poucos países a iniciar negociações comerciais com Washington antes da imposição das tarifas, o governo japonês não foi poupado e poderá optar por seguir o exemplo chinês, desvalorizando parte dos ativos em carteira.
Segundo analistas de mercado, uma venda coordenada por parte dos dois maiores credores externos dos EUA teria efeitos imediatos e disruptivos, elevando os juros a patamares historicamente elevados e reduzindo ainda mais a confiança na dívida norte-americana enquanto ativo de refúgio.
Reserva Federal poderá ter de intervir
A pressão sobre os juros de longo prazo força o mercado a antecipar movimentos da Reserva Federal. Para conter a escalada nas yields e evitar uma crise de confiança nos títulos do Tesouro, a Fed poderá ser obrigada a intervir, seja com cortes antecipados nas taxas diretoras, seja através da retoma de programas de recompra de ativos. Nenhum destes cenários é isento de custos ou riscos inflacionistas, sobretudo num ambiente económico ainda frágil.
De acordo com dados do Departamento do Tesouro dos EUA, cerca de 7,7 biliões de dólares da dívida pública norte-americana são detidos por entidades estrangeiras. O Congressional Budget Office estima que, a manter-se a trajetória atual, a dívida pública federal possa atingir 116% do Produto Interno Bruto até 2034.
Estratégia política com custos económicos
As medidas comerciais da administração Trump — agora reforçadas com novas tarifas — visam proteger a indústria nacional, mas o impacto financeiro poderá superar os ganhos económicos esperados. A venda chinesa surge num momento especialmente delicado para os EUA, com necessidade crescente de financiamento e riscos acumulados no sistema financeiro global.
Para os mercados, o sinal é claro: as decisões políticas nos corredores da Casa Branca têm consequências reais nas salas de negociação de Wall Street — e nos orçamentos de quem gere a economia da maior potência mundial.